Há um silêncio que não descansa. Um sono interrompido, vezes sem conta, por pausas na respiração que roubam o fôlego e o repouso. Quem sofre de apneia obstrutiva do sono (AOS) conhece bem essa batalha noturna. Mas, o que muitos ainda não percebem, é como essas noites mal dormidas podem moldar o funcionamento cerebral durante o dia, desenhando um quadro que pode se confundir com o Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH).1
A ciência tem mostrado que a relação entre apneia do sono e TDAH não é mera coincidência. Crianças e adultos com distúrbios respiratórios do sono frequentemente apresentam sintomas como desatenção, inquietação e dificuldade de concentração. Traços que, à primeira vista, podem ser atribuídos ao TDAH.1
Uma das justificativas propostas para essa associação é que a hipóxia/hipercapnia pode levar ao estresse oxidativo, com aumento da liberação de radicais livres e citocinas inflamatórias, como a proteína C reativa, a interleucina-6 e o fator de necrose tumoral alfa. Níveis elevados desses neuroquímicos podem, por sua vez, induzir inflamação sistêmica e dano oxidativo, inclusive danificando neurônios em regiões críticas para atenção e funções executivas.1
Além disso, os despertares desencadeados pela AOS podem prejudicar a arquitetura do sono, ocasionando disfunção no sistema glinfático, que desempenha um papel crucial na eliminação de resíduos metabólicos e na manutenção da homeostase do sistema nervoso central. Consequentemente, seu comprometimento pode levar ao acúmulo de substâncias neurotóxicas, potencialmente exacerbando as manifestações cognitivas e comportamentais características do TDAH.2; 3
Do ponto de vista neuroquímico, a depuração glinfática prejudicada pode agravar a desregulação da transmissão dopaminérgica e noradrenérgica, que são sistemas neurotransmissores centralmente implicados na fisiopatologia do TDAH. Especificamente, subprodutos metabólicos acumulados podem interferir na função sináptica catecolaminérgica, interrompendo a síntese, a liberação, a recaptação ou a sensibilidade do receptor de neurotransmissores. Essa interrupção provavelmente contribui para os déficits bem documentados no processamento de recompensas, na motivação e na atenção sustentada que caracterizam o transtorno de déficit de atenção e hiperatividade.2
Isso parcialmente explica por que entre 25% e 50% das crianças com TDAH apresentam distúrbios de sono (da mesma forma que adultos, principalmente apresentam AOS, outros distúrbios respiratórios do sono e síndrome das pernas inquietas).1 E porque, em muitos casos, o tratamento do distúrbio do sono reduz significativamente os sintomas característicos do TDAH (não somente em crianças, mas também em adultos).4
Aqui surge um convite à reflexão para nós, profissionais da saúde. Quantos pacientes com diagnóstico de TDAH poderiam ter, na verdade, um distúrbio do sono não identificado?
O que está em jogo é a possibilidade de transformar vidas não apenas com medicamentos, mas com diagnósticos mais precisos. Afinal, tratar a apneia pode significar devolver ao cérebro a chance de descansar, reparar-se e, quem sabe, funcionar de forma muito mais equilibrada durante o dia.
Nem todo déficit de atenção é o que parece. Às vezes, a verdadeira resposta não está no que acontece sob a luz do consultório, mas no que se passa nas horas de escuridão, enquanto o mundo dorme, ou deveria dormir.
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A ResMed é líder global em tecnologia do sono. Nosso objetivo é fornecer às pessoas os meios para despertar o seu melhor e desfrutar de uma vida mais saudável, promovendo bons hábitos de sono e conscientizando sobre os distúrbios do sono, como a apneia do sono.
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