O tratamento medicamentoso da apneia obstrutiva do sono

Sabemos que a apneia obstrutiva do sono (AOS) é caracterizada pelo colapso intermitente da via aérea superior durante o sono. Além de ser uma doença muito prevalente na população, vários estudos já relacionaram sua ocorrência com diversos problemas de saúde, principalmente cardiovasculares. Inicialmente o seu tratamento foi focado no suporte pressórico da faringe através de um equipamento gerador de fluxo conhecido como CPAP (Continuous Positive Airway Pressure, ou pressão positiva contínua em via aérea, em tradução literal). Com o avanço de pesquisas várias modalidades de tratamento foram implementadas como procedimentos cirúrgicos, placa de avanço mandibular, terapia mio funcional, terapia posicional etc. Mas, até então não havia sido apresentada a possibilidade de um tratamento medicamentoso para a AOS. Em 2024 Malhotra e colaboradores publicaram um estudo sobre a Tirzepatida (um agonista dual dos receptores GLP-1 e GIP, já aprovado para perda de peso) como um potencial agente de tratamento da AOS. Eles partiram da hipótese de que sendo o excesso de peso um dos principais fatores de risco para a AOS, a perda de peso induzida pelo medicamento melhoraria também os sintomas do distúrbio respiratório do sono.

O estudo foi um ensaio clínico randomizado e controlado, envolvendo adultos com apneia moderada a grave (índice de apneia-hipopneia – IAH ≥ 15 eventos por hora) e obesidade (IMC ≥ 30 kg/m²). Parte dos participantes recebeu Tirzepatida (em doses semanais de 10 mg ou 15 mg), enquanto outros tomaram placebo. Ao longo do estudo, que teve duração de 52 semanas, os pesquisadores avaliaram a redução no IAH, perda de peso e melhorias nos marcadores metabólicos.

Em média, os participantes perderam de 15% a 20% do peso corporal (um resultado superior ao observado com outros medicamentos para obesidade). Houve uma melhora na resistência à insulina, redução da pressão arterial e em marcadores inflamatórios. Com relação ao IAH, houve uma diminuição média de 58,7% do índice de apneia dos participantes que receberam Tirzepatida em relação ao IAH apresentado no início do estudo. No grupo placebo esta redução foi de apenas de 3,0% do IAH em relação à linha de base.

Estes resultados mostram uma alternativa revolucionária para o tratamento de pacientes com AOS. Além disso, o estudo reforça a ligação entre obesidade e apneia do sono, apresentando que tratar uma condição pode melhorar a outra.

Entretanto, a apneia obstrutiva do sono é uma doença multifatorial, e não está relacionada apenas com obesidade. As causas e mecanismos subjacentes da AOS (endótipos) podem diferir entre os indivíduos. E estes mecanismos podem até mesmo estar sobrepostos (por exemplo, o indivíduo é obeso, mas também apresenta uma retrognatia que faz com que a base da sua língua seja mais projetada posteriormente ou, outro indivíduo além da obesidade apresenta alterações no controle dos músculos dilatadores da faringe etc.).

Assim a descoberta de uma potencial terapia medicamentosa para a AOS aumenta nossa reflexão sobre a importância de entender as necessidades individuais de cada paciente, potencializando o seu tratamento muitas vezes com a somatória de diferentes terapêuticas. Por exemplo, no caso de indicação medicamentosa talvez o seu benefício possa ser potencializado pelo tratamento concomitante com terapia pressórica, ou com a terapia mio funcional, ou placa de avanço mandibular, ou mesmo uma determinada técnica cirurgia entre outros.

Resumindo, a medicina do sono exige abordagem individualizada – não há protocolo único que sirva a todos. O manejo eficaz depende da integração entre especialidades, combinando evidências científicas com as particularidades de cada caso. O resultado? Intervenções mais precisas e pacientes com sono verdadeiramente reparador.