Adesão ao CPAP: será que estamos fazendo a mesma coisa repetidamente, esperando resultados diferentes?

Compartilhar

Trinta anos se passaram, mas os números continuam desafiando os profissionais de saúde. Segundo Amanda Sathyapala (2025), a perspectiva para pacientes com apneia obstrutiva do sono (AOS) que iniciam tratamento com pressão positiva contínua nas vias aéreas (CPAP) não apresenta melhoras significativas em relação a três décadas atrás. O dado que nos confronta: mais de 60% dos pacientes não mantêm a adesão ao tratamento após três meses, considerando o critério mínimo de uso por quatro horas em pelo menos 70% das noites.1

Os estudos são claros ao identificar alguns preditores de adesão: o uso adequado desde as primeiras noites, a melhora perceptível na sonolência diurna e no ronco, o ajuste preciso da pressão do CPAP. Mas também são unânimes em apontar o que ainda não é possível dominar como, por exemplo, as variáveis individuais, psicossociais e culturais que escapam aos protocolos padronizados. Fatores que muitas vezes não entram na sala de consulta, mas que determinam o sucesso ou fracasso do tratamento.2

A frase popularmente atribuída a Einstein - "fazer a mesma coisa repetidamente esperando resultados diferentes é insanidade" – persegue os profissionais envolvidos na terapia como um alerta. Enquanto aplicamos os mesmos protocolos, os índices de adesão permanecerão inalterados. Será que não estamos ignorando o óbvio? A adesão ao CPAP não é simplesmente uma questão médica ou tecnológica. É, antes de tudo, uma profunda transformação comportamental. E talvez esteja havendo a falha ao não utilizar teorias e modelos comportamentais para identificar barreiras e facilitadores da adesão ao CPAP.1

É preciso encarar a realidade: a jornada do paciente com AOS vai muito além do estudo do sono inicial.3 Após o diagnóstico existe a definição do tratamento, eventualmente a aquisição de um dispositivo pressórico (CPAP ou binível), a realização dos ajustes eficientes do equipamento e escolha adequada da máscara, o acompanhamento do paciente e por fim a tão esperada adesão ao tratamento (que acontece não em um ambiente controlado, mas na vida real do paciente, com suas rotinas, limitações, medos e expectativas individuais).3

Os profissionais de saúde tem uma parte bem definida: manter o conhecimento atualizado em fisiologia e fisiopatologia do sono, dominar as tecnologias disponíveis, trabalhar em equipe multidisciplinar, dedicar tempo e empatia genuína a cada caso, personalizar o tratamento considerando características anatômicas, fisiológicas e genéticas.

E a parte do paciente? As barreiras são múltiplas e complexas: restrições financeiras que tornam o tratamento inacessível, a percepção de inconveniência (especialmente para quem viaja frequentemente), o sentimento de estigmatização ao usar um dispositivo médico durante o sono, a negação da gravidade da doença, o medo da dependência do tratamento. Obstáculos reais, que muitas vezes falam mais alto do que a orientação clínica dos profissionais de saúde.3; 4

Como então é possível intervir de forma mais efetiva? As possibilidades são diversas e complementares:

  1. Políticas públicas que facilitem o acesso ao tratamento, reconhecendo que o custo inicial do CPAP se paga a longo prazo na redução de complicações da AOS não tratada;4
  2. Inovação tecnológica com equipamentos mais compactos, silenciosos e com design menos “hospitalar”, que se adaptem melhor às diferentes realidades dos pacientes;3
  3. Telemedicina como ferramenta estratégica para acompanhamento contínuo e identificação precoce de dificuldades;3
  4. Programas educacionais que vão além da simples orientação técnica, abordando aspectos psicossociais e criando redes de apoio;3
  5. E aceitar que todo este processo, que vai desde o diagnóstico da AOS ao tratamento, é também um campo da ciência comportamental. Que para trabalhar nesta área é essencial o conhecimento sobre mudança comportamental ou a colaboração com alguém que o conheça.1

Assim, o caminho para melhorar a adesão do paciente ao CPAP exige o reconhecimento da complexidade do desafio. Não se trata apenas do profissionalo de saúde indicar um tratamento adequado, mas de entender e atuar sobre os múltiplos fatores que determinam sua adoção sustentada. Exige sair da zona de conforto técnico e se abrir para novas abordagens, novas colaborações, novas perspectivas.

No final, talvez a lição mais importante seja esta: para que os pacientes mudem seu comportamento em relação ao CPAP, os profisisonais de sáude precisam estar dispostos também a mudar sua abordagem.

ResMed

Compartilhar

Citations

1

AMANDA SATHYAPALA, S.; ASIMAKOPOULOU, K.; SKINNER, T. C. We must change our behaviour if CPAP adherence rates are to improve…. Sleep Med, v. 126, p. 327-328, Feb 2025. ISSN 1878-5506. Disponível em: < https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/39787686 >.

2

VAN RYSWYK, E. et al. Predictors of long-term adherence to continuous positive airway pressure in patients with obstructive sleep apnea and cardiovascular disease. Sleep, v. 42, n. 10, Oct 09 2019. ISSN 1550-9109. Disponível em: < https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/31587046 >.

3

ABDULKARIM, F.; ALSHAWAMREH, E. A.; ALHARIRI, H. Tracing the complete journey of patient compliance in obstructive sleep apnea management: a 12-year retrospective study on diagnosis, device adherence, and treatment outcomes. Sleep Science and Practice, v. 8, n. 1, p. 24, 2024/12/23 2024. ISSN 2398-2683. Disponível em: < https://doi.org/10.1186/s41606-024-00119-2 >.

4

PENDHARKAR, S. R.; KAAMBWA, B.; KAPUR, V. K. The Cost-Effectiveness of Sleep Apnea Management: A Critical Evaluation of the Impact of Therapy on Health Care Costs. Chest, v. 166, n. 3, p. 612-621, Sep 2024. ISSN 1931-3543. Disponível em: < https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/38815624 >.

Conteúdos Relacionados
Vamos falar sobre o impacto do uso do CPAP e diminuição de mortalidade?
Prolapso palatal na apneia obstrutiva do sono: desvendando a complexidade da limitação do fluxo expiratório