Ana, 47 anos, professora, chega à quarta consulta em 6 meses queixando-se de "acordar mais cansada do que quando se deitou”. Já fez exames: TSH normal, ferritina borderline, sem anemia. Toma antidepressivo há 8 meses por "suspeita de distimia", com melhora discreta. Na anamnese: ronco leve relatado pelo marido, mas "nada grave"; ondas de calor noturnas; acorda 3-4x para urinar. Questionada sobre divisão de tarefas em casa: "Ah, doutor, mas isso é normal – quem não cuida dos filhos e da casa enquanto trabalha?".
Este caso sintetiza o paradoxo que Perger e colaboradores (2024) e o ResMed Global Sleep Survey (2025) expõem: mulheres estão no epicentro de uma crise silenciosa onde hormônios, expectativas sociais e vulnerabilidades fisiológicas criam um cenário único para a saúde do sono.
Os eixos hormonais femininos funcionam como maestros invisíveis da arquitetura do sono. As flutuações cíclicas de estrogênio e progesterona - da menarca à menopausa - alteram profundamente os padrões de vigília e repouso. Não por acaso, mulheres apresentam risco 1,5 a 2 vezes maior de desenvolver insônia, com picos dramáticos durante a perimenopausa, quando a queda hormonal abrupta transforma noites em labirintos de vigília. Pesquisas mostram que os distúrbios do sono durante a menopausa são comuns e significativos, afetando 51% das mulheres.
A gestação, outro marco hormonal, traz consigo não só a alegria da maternidade, mas também uma tempestade perfeita para distúrbios: desconfortos físicos como micção frequente, dor nas costas e movimentos fetais, juntamente com condições como síndrome das pernas inquietas e distúrbios respiratórios do sono, impactam ainda mais a qualidade do sono durante a gravidez.
Os dados do ResMed Global Sleep Survey apontam um retrato preocupante: em média, as mulheres têm menos noites de sono reparador por semana (3,83) em comparação com os homens (4,13) e são muito mais propensas a relatar dificuldade em adormecer mais de três vezes por semana (38% contra 29%). Para aumentar a frustração, as mulheres (51%) são mais propensas do que os homens (45%) para “pular" as rotinas de higiene do sono – práticas que ajudam a sinalizar o corpo que é hora de relaxar e dormir. Ou seja, um abismo de gênero que reflete não apenas biologia, mas também a carga mental desproporcional que muitas ainda carregam. A famosa "segunda jornada", aquelas horas noturnas dedicadas a cuidados domésticos e familiares, rouba minutos preciosos de repouso que nunca são totalmente recuperados.
No consultório, também são encontrados desafios diagnósticos peculiares. A apneia obstrutiva do sono, por décadas considerada um mal predominantemente masculino, se revela nas mulheres com uma maquiagem sintomática diferente: em vez dos clássicos roncos e engasgos, predominam fadiga crônica, enxaquecas matinais e alterações de humor - sintomas frequentemente atribuídos erroneamente a desordens psiquiátricas. E o cronotipo feminino, naturalmente inclinado para horários mais matutinos, colide com demandas sociais que ignoram essa predisposição biológica, criando um estado crônico de dessincronização interna.
Diante desse cenário, surge um imperativo clínico: a medicina do sono deve adotar uma lente de gênero. Isso significa ir além dos instrumentos de diagnóstico padronizados, investigando ativamente históricos hormonais, divisão de tarefas domésticas e sintomas atípicos. Exige repensar dispositivos terapêuticos para corpos femininos (como máscaras e dispositivos pressóricos que melhor se ajustem para a anatomia e padrão respiratório da mulher durante o sono, entre outros), além de incluir a educação sobre higiene do sono em consultas de rotina de ginecologia e clínica geral. Acima de tudo, demanda reconhecer que dormir bem é um direito universal - mas o caminho para noites reparadoras pode ser radicalmente diferente entre homens e mulheres!
ResMed
A ResMed é líder global em tecnologia do sono. Nosso objetivo é fornecer às pessoas os meios para despertar o seu melhor e desfrutar de uma vida mais saudável, promovendo bons hábitos de sono e conscientizando sobre os distúrbios do sono, como a apneia do sono.
Perger E, Silvestri R, Bonanni E, Di Perri MC, Fernandes M, Provini F, Zoccoli G, Lombardi C. Gender medicine and sleep disorders: from basic science to clinical research. Front Neurol. 2024 Jul 10;15:1392489. doi: 10.3389/fneur.2024.1392489
Resmed Global Sleep Survey 2025
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